Era uma vez uma família: seu Antônio, dona Maria e seus dois filhos. Certo dia, começou a chover muito e houve uma enchente na região. A televisão recomendou que as pessoas do bairro deixassem suas casas, mas seu Antônio, muito religioso, confiou na sua fé e resolveu ficar em casa com a família. No dia seguinte, a enchente chegou até a rua da casa deles e dona Maria disse que achava melhor obedecer o noticiário e deixar a casa. O marido respondeu:
— Deixe disso, mulher, confie em Deus, que nada vai nos acontecer.
Mas como a chuva não parava e as águas continuavam a subir, dona Maria, temendo pelas crianças, resolveu deixar a casa em um barco do Corpo de Bombeiros. Seu Antônio, decidido, preferiu ficar, tomando conta da casa e esperando a água baixar. A água já alcançava mais de um metro de altura dentro da casa de seu Antônio e ele, confiante em Deus, resolveu subir ao andar de cima. Alguns vizinhos foram tentar convencê-lo a acompanhá-los, mas não tiveram êxito. Seu Antônio dizia sempre:
— Não se preocupem: tenho fé em Deus, nada vai me acontecer.
E seu Antônio ficou no andar superior da casa, mas naquele mesmo dia, precisou se mudar para o telhado. Em volta da sua casa, ele via toda a cidade inundada: uma imensidão de água barrenta e apenas alguns telhados. Quase ao cair da noite, surgiu um helicóptero de salvamento. O grupo de resgate mal pôde acreditar que ainda pudesse encontrar algum sobrevivente, muito menos que este se recusasse a ser salvo. Mas foi o que aconteceu. Seu Antônio dizia apenas:
— Não se preocupem; sempre tive muita fé em Deus e Ele vai me salvar.
A chuva não parou e, como era de se esperar, dada a sua enorme fé, seu Antônio foi para o Céu... Ao chegar lá, indignado, tratou logo de agendar uma entrevista com o Senhor:
— Senhor, meu Deus! Por que me abandonastes, logo a mim, que sempre fui crente e temente a Vós, que sempre preguei a Vossa palavra? Por que não me salvastes?!
— Antônio, meu filho! Como Eu poderia ter-te abandonado? Pois Eu fiz tudo para salvar-te e tu o recusaste! Mandei avisar pela televisão, depois coloquei sábias palavras na boca de tua esposa; enviei os bombeiros, os teus vizinhos e até um helicóptero! O que mais esperavas?!
31 agosto 2008
À espera de Deus
[manuscrito encontrado entre os meus papéis, datado de 22/11/1997, autoria incerta]
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29 maio 2008
Sustentabilidade no Brasil
Esta semana está acontecendo em Campinas um conjunto de eventos sobre Desenvolvimento Sustentável (www.sustentar.org). Dentre as palestras disponíveis no Fórum nesta quinta-feira, escolhi uma com o tema "Consumo Consciente e Compras Públicas Sustentáveis". Deixo aqui alguns comentários esparsos sobre assuntos que achei interessantes.
obsolescência programada
Primeira vez que ouvi o "nome do bicho". Estratégia adotada pelas empresas a partir da década de 1930, mas sobretudo depois da II Guerra, que consiste em diminuir a durabilidade dos produtos, quando perceberam que bens duráveis não eram lucrativos para a indústria. Mais recentemente, esse conceito tem sido levado ao extremo, com alguns bens de consumo, sobretudo eletrônicos, tendo vida útil de pouco mais de um ano.
embalagens
O ciclo de vida de um produto envolve:
extração > fabricação > distribuição > consumo > descarte
Todas as etapas geram seus impactos ambientais. Aqui vão algumas dicas específicas para minimizar os impactos relacionados às embalagens na etapa do descarte:
- evitar embalagens desnecessárias
- preferir produtos com embalagens retornáveis ou com refil
- utilizar sacolas duráveis no lugar dos saquinhos plásticos
- reutilizar embalagens
- encaminhar as embalagens sem utilidade para reciclagem
links
akatu.org.br - Instituto Akatu - consumo consciente
idec.org.br - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
iclei.org - Governos Locais pela Sustentabilidade
procuraplus.org - incentivo a compras públicas sustentáveis na Europa
mma.gov.br - Programa A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública)
catalogosustentavel.com.br - avalia produtos por critérios de sustentabilidade (FGV/SP)
outros
Agenda 21
consumo consciente / consumo sustentável
Economia Solidária / Comércio Justo
obsolescência programada
Primeira vez que ouvi o "nome do bicho". Estratégia adotada pelas empresas a partir da década de 1930, mas sobretudo depois da II Guerra, que consiste em diminuir a durabilidade dos produtos, quando perceberam que bens duráveis não eram lucrativos para a indústria. Mais recentemente, esse conceito tem sido levado ao extremo, com alguns bens de consumo, sobretudo eletrônicos, tendo vida útil de pouco mais de um ano.
embalagens
O ciclo de vida de um produto envolve:
extração > fabricação > distribuição > consumo > descarte
Todas as etapas geram seus impactos ambientais. Aqui vão algumas dicas específicas para minimizar os impactos relacionados às embalagens na etapa do descarte:
- evitar embalagens desnecessárias
- preferir produtos com embalagens retornáveis ou com refil
- utilizar sacolas duráveis no lugar dos saquinhos plásticos
- reutilizar embalagens
- encaminhar as embalagens sem utilidade para reciclagem
links
akatu.org.br - Instituto Akatu - consumo consciente
idec.org.br - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
iclei.org - Governos Locais pela Sustentabilidade
procuraplus.org - incentivo a compras públicas sustentáveis na Europa
mma.gov.br - Programa A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública)
catalogosustentavel.com.br - avalia produtos por critérios de sustentabilidade (FGV/SP)
outros
Agenda 21
consumo consciente / consumo sustentável
Economia Solidária / Comércio Justo
05 maio 2008
Marcha da maconha
Domingo passado foi o dia da "Marcha da maconha". Ou melhor, não foi. Paulatinamente, as justiças estaduais foram proibindo a marcha nas diversas capitais do país. A de São Paulo, prevista para ocorrer no Parque do Ibirapuera às 14h do domingo, foi proibida no sábado à noite.
Para mim parece óbvio que a discussão sobre a descriminalização das drogas no Brasil precisa ser feita o quanto antes. Mas assim como parece óbvio para mim, parece óbvio que não para muita gente. Óbvio ou não, o fato é que no domingo passado ocorreu um estupro da liberdade de expressão no país.
Diferentemente de outros lugares do mundo, onde a questão foi exposta por meio de manifestações, no Brasil ela foi abafada por decisões judiciais e presença ostensiva da polícia, sob alegações de apologia ao crime, dentre outras mais absurdas, como um suposto lobby do PCC e outras facções criminosas, que estariam por trás dos manifestos.
A questão fundamental é não confundir permissão com incentivo. Na situação atual, o consumo e a venda de drogas lícitas são não apenas permitidos como incentivados. Deveriam ser veementemente desestimulados. A permissão ao álcool e ao cigarro não acontece porque essas substâncias sejam saudáveis ou não causem problemas sociais. Muito pelo contrário; elas só são permitidas porque sua proibição causaria um transtorno social ainda maior. Relembre-se o período da Lei Seca nos EUA, com Al Capone e toda a máfia assumindo o comércio ilegal do álcool.
Já a questão das drogas atualmente ilícitas deveria seguir o mesmo caminho: continuar com campanhas de desestímulo ao uso, porém controlando-se a qualidade da droga, arrecadando-se impostos a serem investidos no aconselhamento e tratamento dos usuários, etc. Na situação atual, em que o consumo existe e o comércio é proibido, legitima-se hipocritamente o tráfico. Pergunta: a quem interessa esta situação? Quem ganha com o tráfico hoje e com toda a estrutura montada para o seu combate? Cada um encontre a sua própria resposta. Eu sei quem perde com ela: toda a sociedade, com a indecente taxa de criminalidade que assola o país.
Sobre a marcha que não aconteceu, recomendo estes links:
Um tapa na democracia
Paz sem voz no Estado de exceção
Advogado detido por apologia às drogas diz que vai recorrer até o STF
Para mim parece óbvio que a discussão sobre a descriminalização das drogas no Brasil precisa ser feita o quanto antes. Mas assim como parece óbvio para mim, parece óbvio que não para muita gente. Óbvio ou não, o fato é que no domingo passado ocorreu um estupro da liberdade de expressão no país.
Diferentemente de outros lugares do mundo, onde a questão foi exposta por meio de manifestações, no Brasil ela foi abafada por decisões judiciais e presença ostensiva da polícia, sob alegações de apologia ao crime, dentre outras mais absurdas, como um suposto lobby do PCC e outras facções criminosas, que estariam por trás dos manifestos.
A questão fundamental é não confundir permissão com incentivo. Na situação atual, o consumo e a venda de drogas lícitas são não apenas permitidos como incentivados. Deveriam ser veementemente desestimulados. A permissão ao álcool e ao cigarro não acontece porque essas substâncias sejam saudáveis ou não causem problemas sociais. Muito pelo contrário; elas só são permitidas porque sua proibição causaria um transtorno social ainda maior. Relembre-se o período da Lei Seca nos EUA, com Al Capone e toda a máfia assumindo o comércio ilegal do álcool.
Já a questão das drogas atualmente ilícitas deveria seguir o mesmo caminho: continuar com campanhas de desestímulo ao uso, porém controlando-se a qualidade da droga, arrecadando-se impostos a serem investidos no aconselhamento e tratamento dos usuários, etc. Na situação atual, em que o consumo existe e o comércio é proibido, legitima-se hipocritamente o tráfico. Pergunta: a quem interessa esta situação? Quem ganha com o tráfico hoje e com toda a estrutura montada para o seu combate? Cada um encontre a sua própria resposta. Eu sei quem perde com ela: toda a sociedade, com a indecente taxa de criminalidade que assola o país.
Sobre a marcha que não aconteceu, recomendo estes links:
Um tapa na democracia
Paz sem voz no Estado de exceção
Advogado detido por apologia às drogas diz que vai recorrer até o STF
Aumento dos combustíveis
Na semana passada foi anunciada uma das medidas mais esdrúxulas de que se teve notícia ultimamente. Após três anos de altas constantes dos preços do petróleo no mercado internacional, que fizeram disparar o preço da commodity de cerca de US$30 para cerca de US$110 o barril (ou seja, uma alta de 267%), o governo decidiu permitir que a Petrobras repassasse parte desse aumento ao consumidor. Até aí, nada de se estranhar, a não ser pela "generosidade" do aumento, de apenas pouco mais de 10%. O que causou espanto foi a preocupação do governo em evitar que esse aumento chegasse ao bolso de quem usa carro particular. Tudo vai aumentar: gás, óleo diesel e todos os derivados do petróleo. Com isso, aumentam também as tarifas dos transportes públicos e dos fretes, elevando, por exemplo, o preço dos alimentos. Graças à redução da Cide, imposto recolhido pelo governo, a única coisa que não vai aumentar é o preço da gasolina de quem anda de carro. Como os formadores de opinião praticamente só usam carro, o assunto passou batido e pouca discussão se vê na mídia. As conseqüências dessa medida, porém, serão o agravamento ainda maior das disparidades sociais, transferindo-se renda de quem está mais preocupado com o preço da comida ou do ônibus para os proprietários de automóvel particular.
Talvez não seja de se estranhar o contra-senso, considerando-se que o país já dá todo tipo de incentivo à produção, à compra e à utilização de automóveis particulares. O que chama a atenção é o discurso paradoxal de querer, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida nas cidades ou a distribuição de renda. Ou será que desistimos disso e eu não fiquei sabendo?!
Talvez não seja de se estranhar o contra-senso, considerando-se que o país já dá todo tipo de incentivo à produção, à compra e à utilização de automóveis particulares. O que chama a atenção é o discurso paradoxal de querer, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida nas cidades ou a distribuição de renda. Ou será que desistimos disso e eu não fiquei sabendo?!
19 março 2008
Vegetarianismo
Este relato foi motivado por três fatos recentes. Na semana passada, assisti com a Marina a um documentário sobre a produção industrial de carnes e derivados animais. Logo depois, surgiu a questão da escolha do restaurante para um almoço com os ex-colegas da Elétrica. E a "gota d'água" foi um relato da Lou no blog dela.
Acho que a primeira vez que ouvi falar de vegetarianismo foi na minha família, de uns tios que eram macrobióticos. A preocupação era a saúde do próprio corpo. Antes disso, como talvez seja natural de qualquer criança, eu gostava bastante de "bichos" e sofria quando via algum sendo maltratado. E isso aconteceu várias vezes: quando a minha cachorrinha Lúpi "sumiu"; quando os meus pintinhos virados frangos se transformaram no almoço de domingo na casa da minha vó; quando o meu vô deixava as galinhas penduradas de cabeça para baixo com um talho no pescoço, ainda vivas, para conseguir mais sangue para o "molho pardo"; quando os meus tios levaram meia hora matando um porco a marretadas. Mas a gente vai aprendendo a se endurecer com o passar dos anos e a aceitar essa crueldade como "normal".
Lá por volta do ano 2000, veio o motivo mais surpreendente (naquela época eu teria pensado talvez até esdrúxulo) por que alguém decidiria se tornar vegetariano: questões ambientais. Foi a Emily, minha ex-aluna de português e amiga, formada em Ecologia. Não me lembro bem das palavras dela, mas a idéia era mais ou menos a seguinte: se você usar uma determinada área de terra para cultivar as mais variadas espécies de plantas para consumo humano, você tem um gasto x de nutrientes e água e consegue alimentar y pessoas; se usar a mesma área para criar gado, a alimentação e hidratação do gado consumirão [várias vezes x] durante todo o ciclo de vida desses animais, que alimentarão [uma pequena fração de y] pessoas. Como o número de pessoas a serem alimentadas não muda, é necessário usar mais terra e mais recursos naturais. É uma questão de desperdício de energia - quanto mais etapas colocamos no ciclo, mais energia se perde no caminho. Fazia sentido.
Digamos que esse foi o primeiro "baque". Outros vieram, embora os mais fortes tenham sido com dois documentários que eu assisti nos últimos anos. O mais recente se chama "A carne é fraca" e foi produzido pelo instituto Nina Rosa. Não trouxe grandes novidades em relação a outro que eu tinha visto em 2006, "Earthlings" (Terráqueos), mas é interessante por tratar diretamente da realidade brasileira. Ambos abordam as três questões principais que envolvem o consumo de derivados animais: problemas ambientais, sofrimento animal e malefícios à saúde humana. Não pretendo detalhar esses pontos aqui, pois os documentários fazem isso muito bem e podem ser assistidos gratuitamente pela Internet (links abaixo).
Pois bem, recentemente estávamos organizando um almoço para o Daniel Dominiquini, que está de passagem por Campinas, e surgiu a questão de qual restaurante escolher. Pensei em sugerir que não fosse uma churrascaria, mas fiquei com medo de ser "chato". Conversa vai, conversa vem, e o próprio Daniel acabou escrevendo para a lista que era vegetariano. Putz!
Ontem eu dei uma lida no blog da Lou e não é que ela tinha acabado de escrever sobre o tema?! Ela começa dizendo: "A maioria dos vegetarianos não come carne vermelha porque é de difícil digestão. O argumento a favor do vegetarianismo é a própria saúde". Não sei de onde ela tirou essa estatística, mas fiquei curioso para saber se o principal motivo é esse mesmo. Depois ela menciona a questão do sofrimento animal, sugerindo que isso pode ser uma antropomorfização indevida e insinuando indiretamente que os vegetarianos deixaram de ser "especistas", mas continuam sendo "reinistas" (acreditam na superioridade do reino animal em relação ao reino vegetal). Não tenho capacidade técnica para dizer se alfaces, tomates ou espinafres sofrem ou não ao serem colhidos, como ela mencionou, mas tenho que reconhecer que no meu âmago ainda paira a sensação de que os reinos vegetal e mineral trazem diferenças significativas em relação ao reino animal. As plantas são vivas, precisam de cuidado, alimentação, ambiente saudável, isso é certo. Mas daí a dizer que elas sentem dor, eu já não saberia dizer. Depois ela menciona também a questão ambiental, embora sem fazer uma distinção nítida entre sofrimento animal e meio ambiente. Além disso, os vegetarianos não se importariam de "devastar grandes áreas para o plantio de soja transgênica, [...] gastar um sem-fim em irrigação, desviando o curso de rios e abalando o equilíbrio de qualquer eco-sistema localizado nas redondezas de grandes lavouras". Mas a idéia é exatamente a inversa! Não consumir carne reduz a necessidade de grandes plantações, pois a principal finalidade destas é produzir ração para os animais que abastecerão o mercado de carne. Eu teria outras coisas a comentar sobre veganos x vegetarianos e a conclusão final dela sobre alimentação balanceada, mas fica pra outra vez.
Agora pra confundir os meus amigos leitores, preciso dizer que não sou totalmente vegetariano, apesar de ter reduzido drasticamente o meu consumo. Como assim, depois de escrever tudo isso, ainda tem coragem?!... Pois é. Como em tudo na vida, me parece que o ideal é encontrar o equilíbrio. Entre ser 100% vegano e freqüentar churrascarias diariamente (ou semanalmente), há várias possibilidades intermediárias. Entre não comer carne nunca e achar que, se não tiver carne, a refeição não está completa, também há uma grande diferença. Não sei qual é o equilíbrio e acho que cada um deve tentar encontrar o seu. O importante é ter consciência do que se está fazendo, das conseqüências dos nossos atos: quando compramos ou descartamos algum produto, quando pegamos saquinhos de plástico no supermercado, quando comemos carne, quando tiramos o carro da garagem.
Sugiro fortemente que quem estiver lendo isto aqui assista a algum dos documentários abaixo, pois não expliquei nenhum dos argumentos em detalhe. Mas cuidado: depois de assistir, você não vai poder mais dizer que não sabia...
Links relacionados:
Parte 1 do documentário "A carne é fraca" no YouTube
Parte 1 do documentário "Earthlings" (Terráqueos) no YouTube (em inglês, com legendas em português*)
* Há alguns problemas graves de legendagem. Na abertura, por exemplo, onde está escrito "Recomenda-se discrição do espectador", leia-se "Recomenda-se discernimento do espectador".
Notícia relacionada:
Comida vegetariana reduz aquecimento global, afirma Paul McCartney [23/06/2008]
Acho que a primeira vez que ouvi falar de vegetarianismo foi na minha família, de uns tios que eram macrobióticos. A preocupação era a saúde do próprio corpo. Antes disso, como talvez seja natural de qualquer criança, eu gostava bastante de "bichos" e sofria quando via algum sendo maltratado. E isso aconteceu várias vezes: quando a minha cachorrinha Lúpi "sumiu"; quando os meus pintinhos virados frangos se transformaram no almoço de domingo na casa da minha vó; quando o meu vô deixava as galinhas penduradas de cabeça para baixo com um talho no pescoço, ainda vivas, para conseguir mais sangue para o "molho pardo"; quando os meus tios levaram meia hora matando um porco a marretadas. Mas a gente vai aprendendo a se endurecer com o passar dos anos e a aceitar essa crueldade como "normal".
Lá por volta do ano 2000, veio o motivo mais surpreendente (naquela época eu teria pensado talvez até esdrúxulo) por que alguém decidiria se tornar vegetariano: questões ambientais. Foi a Emily, minha ex-aluna de português e amiga, formada em Ecologia. Não me lembro bem das palavras dela, mas a idéia era mais ou menos a seguinte: se você usar uma determinada área de terra para cultivar as mais variadas espécies de plantas para consumo humano, você tem um gasto x de nutrientes e água e consegue alimentar y pessoas; se usar a mesma área para criar gado, a alimentação e hidratação do gado consumirão [várias vezes x] durante todo o ciclo de vida desses animais, que alimentarão [uma pequena fração de y] pessoas. Como o número de pessoas a serem alimentadas não muda, é necessário usar mais terra e mais recursos naturais. É uma questão de desperdício de energia - quanto mais etapas colocamos no ciclo, mais energia se perde no caminho. Fazia sentido.
Digamos que esse foi o primeiro "baque". Outros vieram, embora os mais fortes tenham sido com dois documentários que eu assisti nos últimos anos. O mais recente se chama "A carne é fraca" e foi produzido pelo instituto Nina Rosa. Não trouxe grandes novidades em relação a outro que eu tinha visto em 2006, "Earthlings" (Terráqueos), mas é interessante por tratar diretamente da realidade brasileira. Ambos abordam as três questões principais que envolvem o consumo de derivados animais: problemas ambientais, sofrimento animal e malefícios à saúde humana. Não pretendo detalhar esses pontos aqui, pois os documentários fazem isso muito bem e podem ser assistidos gratuitamente pela Internet (links abaixo).
Pois bem, recentemente estávamos organizando um almoço para o Daniel Dominiquini, que está de passagem por Campinas, e surgiu a questão de qual restaurante escolher. Pensei em sugerir que não fosse uma churrascaria, mas fiquei com medo de ser "chato". Conversa vai, conversa vem, e o próprio Daniel acabou escrevendo para a lista que era vegetariano. Putz!
Ontem eu dei uma lida no blog da Lou e não é que ela tinha acabado de escrever sobre o tema?! Ela começa dizendo: "A maioria dos vegetarianos não come carne vermelha porque é de difícil digestão. O argumento a favor do vegetarianismo é a própria saúde". Não sei de onde ela tirou essa estatística, mas fiquei curioso para saber se o principal motivo é esse mesmo. Depois ela menciona a questão do sofrimento animal, sugerindo que isso pode ser uma antropomorfização indevida e insinuando indiretamente que os vegetarianos deixaram de ser "especistas", mas continuam sendo "reinistas" (acreditam na superioridade do reino animal em relação ao reino vegetal). Não tenho capacidade técnica para dizer se alfaces, tomates ou espinafres sofrem ou não ao serem colhidos, como ela mencionou, mas tenho que reconhecer que no meu âmago ainda paira a sensação de que os reinos vegetal e mineral trazem diferenças significativas em relação ao reino animal. As plantas são vivas, precisam de cuidado, alimentação, ambiente saudável, isso é certo. Mas daí a dizer que elas sentem dor, eu já não saberia dizer. Depois ela menciona também a questão ambiental, embora sem fazer uma distinção nítida entre sofrimento animal e meio ambiente. Além disso, os vegetarianos não se importariam de "devastar grandes áreas para o plantio de soja transgênica, [...] gastar um sem-fim em irrigação, desviando o curso de rios e abalando o equilíbrio de qualquer eco-sistema localizado nas redondezas de grandes lavouras". Mas a idéia é exatamente a inversa! Não consumir carne reduz a necessidade de grandes plantações, pois a principal finalidade destas é produzir ração para os animais que abastecerão o mercado de carne. Eu teria outras coisas a comentar sobre veganos x vegetarianos e a conclusão final dela sobre alimentação balanceada, mas fica pra outra vez.
Agora pra confundir os meus amigos leitores, preciso dizer que não sou totalmente vegetariano, apesar de ter reduzido drasticamente o meu consumo. Como assim, depois de escrever tudo isso, ainda tem coragem?!... Pois é. Como em tudo na vida, me parece que o ideal é encontrar o equilíbrio. Entre ser 100% vegano e freqüentar churrascarias diariamente (ou semanalmente), há várias possibilidades intermediárias. Entre não comer carne nunca e achar que, se não tiver carne, a refeição não está completa, também há uma grande diferença. Não sei qual é o equilíbrio e acho que cada um deve tentar encontrar o seu. O importante é ter consciência do que se está fazendo, das conseqüências dos nossos atos: quando compramos ou descartamos algum produto, quando pegamos saquinhos de plástico no supermercado, quando comemos carne, quando tiramos o carro da garagem.
Sugiro fortemente que quem estiver lendo isto aqui assista a algum dos documentários abaixo, pois não expliquei nenhum dos argumentos em detalhe. Mas cuidado: depois de assistir, você não vai poder mais dizer que não sabia...
Links relacionados:
Parte 1 do documentário "A carne é fraca" no YouTube
Parte 1 do documentário "Earthlings" (Terráqueos) no YouTube (em inglês, com legendas em português*)
* Há alguns problemas graves de legendagem. Na abertura, por exemplo, onde está escrito "Recomenda-se discrição do espectador", leia-se "Recomenda-se discernimento do espectador".
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