Este relato foi motivado por três fatos recentes. Na semana passada, assisti com a Marina a um documentário sobre a produção industrial de carnes e derivados animais. Logo depois, surgiu a questão da escolha do restaurante para um almoço com os ex-colegas da Elétrica. E a "gota d'água" foi um relato da Lou no blog dela.
Acho que a primeira vez que ouvi falar de vegetarianismo foi na minha família, de uns tios que eram macrobióticos. A preocupação era a saúde do próprio corpo. Antes disso, como talvez seja natural de qualquer criança, eu gostava bastante de "bichos" e sofria quando via algum sendo maltratado. E isso aconteceu várias vezes: quando a minha cachorrinha Lúpi "sumiu"; quando os meus pintinhos virados frangos se transformaram no almoço de domingo na casa da minha vó; quando o meu vô deixava as galinhas penduradas de cabeça para baixo com um talho no pescoço, ainda vivas, para conseguir mais sangue para o "molho pardo"; quando os meus tios levaram meia hora matando um porco a marretadas. Mas a gente vai aprendendo a se endurecer com o passar dos anos e a aceitar essa crueldade como "normal".
Lá por volta do ano 2000, veio o motivo mais surpreendente (naquela época eu teria pensado talvez até esdrúxulo) por que alguém decidiria se tornar vegetariano: questões ambientais. Foi a Emily, minha ex-aluna de português e amiga, formada em Ecologia. Não me lembro bem das palavras dela, mas a idéia era mais ou menos a seguinte: se você usar uma determinada área de terra para cultivar as mais variadas espécies de plantas para consumo humano, você tem um gasto x de nutrientes e água e consegue alimentar y pessoas; se usar a mesma área para criar gado, a alimentação e hidratação do gado consumirão [várias vezes x] durante todo o ciclo de vida desses animais, que alimentarão [uma pequena fração de y] pessoas. Como o número de pessoas a serem alimentadas não muda, é necessário usar mais terra e mais recursos naturais. É uma questão de desperdício de energia - quanto mais etapas colocamos no ciclo, mais energia se perde no caminho. Fazia sentido.
Digamos que esse foi o primeiro "baque". Outros vieram, embora os mais fortes tenham sido com dois documentários que eu assisti nos últimos anos. O mais recente se chama "A carne é fraca" e foi produzido pelo instituto Nina Rosa. Não trouxe grandes novidades em relação a outro que eu tinha visto em 2006, "Earthlings" (Terráqueos), mas é interessante por tratar diretamente da realidade brasileira. Ambos abordam as três questões principais que envolvem o consumo de derivados animais: problemas ambientais, sofrimento animal e malefícios à saúde humana. Não pretendo detalhar esses pontos aqui, pois os documentários fazem isso muito bem e podem ser assistidos gratuitamente pela Internet (links abaixo).
Pois bem, recentemente estávamos organizando um almoço para o Daniel Dominiquini, que está de passagem por Campinas, e surgiu a questão de qual restaurante escolher. Pensei em sugerir que não fosse uma churrascaria, mas fiquei com medo de ser "chato". Conversa vai, conversa vem, e o próprio Daniel acabou escrevendo para a lista que era vegetariano. Putz!
Ontem eu dei uma lida no blog da Lou e não é que ela tinha acabado de escrever sobre o tema?! Ela começa dizendo: "A maioria dos vegetarianos não come carne vermelha porque é de difícil digestão. O argumento a favor do vegetarianismo é a própria saúde". Não sei de onde ela tirou essa estatística, mas fiquei curioso para saber se o principal motivo é esse mesmo. Depois ela menciona a questão do sofrimento animal, sugerindo que isso pode ser uma antropomorfização indevida e insinuando indiretamente que os vegetarianos deixaram de ser "especistas", mas continuam sendo "reinistas" (acreditam na superioridade do reino animal em relação ao reino vegetal). Não tenho capacidade técnica para dizer se alfaces, tomates ou espinafres sofrem ou não ao serem colhidos, como ela mencionou, mas tenho que reconhecer que no meu âmago ainda paira a sensação de que os reinos vegetal e mineral trazem diferenças significativas em relação ao reino animal. As plantas são vivas, precisam de cuidado, alimentação, ambiente saudável, isso é certo. Mas daí a dizer que elas sentem dor, eu já não saberia dizer. Depois ela menciona também a questão ambiental, embora sem fazer uma distinção nítida entre sofrimento animal e meio ambiente. Além disso, os vegetarianos não se importariam de "devastar grandes áreas para o plantio de soja transgênica, [...] gastar um sem-fim em irrigação, desviando o curso de rios e abalando o equilíbrio de qualquer eco-sistema localizado nas redondezas de grandes lavouras". Mas a idéia é exatamente a inversa! Não consumir carne reduz a necessidade de grandes plantações, pois a principal finalidade destas é produzir ração para os animais que abastecerão o mercado de carne. Eu teria outras coisas a comentar sobre veganos x vegetarianos e a conclusão final dela sobre alimentação balanceada, mas fica pra outra vez.
Agora pra confundir os meus amigos leitores, preciso dizer que não sou totalmente vegetariano, apesar de ter reduzido drasticamente o meu consumo. Como assim, depois de escrever tudo isso, ainda tem coragem?!... Pois é. Como em tudo na vida, me parece que o ideal é encontrar o equilíbrio. Entre ser 100% vegano e freqüentar churrascarias diariamente (ou semanalmente), há várias possibilidades intermediárias. Entre não comer carne nunca e achar que, se não tiver carne, a refeição não está completa, também há uma grande diferença. Não sei qual é o equilíbrio e acho que cada um deve tentar encontrar o seu. O importante é ter consciência do que se está fazendo, das conseqüências dos nossos atos: quando compramos ou descartamos algum produto, quando pegamos saquinhos de plástico no supermercado, quando comemos carne, quando tiramos o carro da garagem.
Sugiro fortemente que quem estiver lendo isto aqui assista a algum dos documentários abaixo, pois não expliquei nenhum dos argumentos em detalhe. Mas cuidado: depois de assistir, você não vai poder mais dizer que não sabia...
Links relacionados:
Parte 1 do documentário "A carne é fraca" no YouTube
Parte 1 do documentário "Earthlings" (Terráqueos) no YouTube (em inglês, com legendas em português*)
* Há alguns problemas graves de legendagem. Na abertura, por exemplo, onde está escrito "Recomenda-se discrição do espectador", leia-se "Recomenda-se discernimento do espectador".
Notícia relacionada:
Comida vegetariana reduz aquecimento global, afirma Paul McCartney [23/06/2008]
19 março 2008
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2 comentários:
Oi Onam! Fico feliz em saber que aumenta a consciência sobre as consequências das nossas decisões invisíveis, sobretudo entre os amigos.
Comprar qualquer produto oriundo de sistemas de produção poluentes é prejudicial para todos os seres vivos, sejam animais, vegetais, fungos, protistas, etc. Portanto, é mais inteligente optar por sistemas de produção de nutrientes que não sejam poluentes e/ou tenham impacto ambiental reduzido.
Quando estamos no supermercado a comprar, não só alimentos, precisamos considerar de qual sistema produtivo originou-se aquele produto. Sem esta informação tão preciosa, o consumidor é transformado em gado que come o que lhe é oferecido, sem poder REAL de escolha.
Ao priviliegiar produtos de sistemas produtivos não poluentes o consumidor VIABILIZA e fortalece esse mercado, fomentando seu desenvolvimento e melhoria. No limite poderíamos ter uma inversão da atual situação na qual os produtos preferidos são os que possuem a melhor propaganda e não a melhor qualidade.
Conhecimento sem ação é apenas informação.
Força na peruca!
Segue uma dica de vídeo e website sobre o assunto:
http://www.themeatrix.com/intl/brazil/dub/
;)
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