10 janeiro 2014

Sou de lugar nenhum

"Ignorance is blessing."

Segundo esse ditado popular em inglês, quanto mais sabemos, mais sofremos. Eu poderia parafrasear o ditado dizendo que quanto mais lugares conhecemos, mais perdidos ficamos.

Quem mora fora do seu próprio país há muito tempo deve entender bem a minha sensação de não pertencimento. Sinto que nunca serei "daqui", porque não falo exatamente como alguém daqui, porque meu corpo provavelmente me denuncia com trejeitos nem sempre familiares, porque tenho lacunas culturais. Mas também não me sinto totalmente "de lá" (do Brasil), porque há muitos traços da cultura brasileira com os quais nunca me identifiquei e continuo não me identificando. Sempre que volto ao Brasil de férias, preciso de alguns dias até me acostumar novamente aos padrões de lá. Da última vez, o processo de adaptação foi ainda mais doloroso e durou duas semanas. Por exemplo, a cultura de pegar o carro para ir até a esquina, seja por um alegado medo da violência, por simples hábito ou ainda por questão de status. Aqui em Tarragona, longe de ser o paraíso dos pedestres segundo padrões internacionais, posso caminhar confortavelmente por largas calçadas em praticamente toda a cidade, e sem medo de ser assaltado, sequestrado ou de sofrer alguma outra forma de abdução. A cultura de ter serviçais para tudo, para limpar a casa, abrir o portão do prédio, cuidar dos filhos, estacionar o carro. Aqui na Europa, a classe média cuida da própria vida. No Brasil, a cultura de trabalhar muitas horas para não parecer preguiçoso. Na Europa, o enfoque na qualidade de vida, com respeito ao horário de expediente, licenças remuneradas ou jornadas reduzidas em caso de nascimento de fihos, por vários meses, ou até anos. Mas outra vez, eu não sou daqui, as pessoas não falam a minha língua, não têm a mesma maneira de se relacionar com as amizades; há muitas coisas com as quais eu também não me identifico. Mas vou ficando, e a ideia de algum dia voltar ao Brasil me assusta.


Lugar Nenhum
(Arnaldo Antunes)

Não sou brasileiro
Não sou estrangeiro
Não sou brasileiro
Não sou estrangeiro
Eu não sou de nenhum lugar
Sou de lugar nenhum
Sou de lugar nenhum

Eu não sou de São Paulo
Não sou japonês
Eu não sou carioca
Não sou português
Eu não sou de Brasília
Não sou do Brasil
Nenhuma pátria me pariu

"Eu não tô nem aí,
Eu não tô nem aqui"
Não sou.....
Não sou.....

31 agosto 2008

À espera de Deus

[manuscrito encontrado entre os meus papéis, datado de 22/11/1997, autoria incerta]

    Era uma vez uma família: seu Antônio, dona Maria e seus dois filhos. Certo dia, começou a chover muito e houve uma enchente na região. A televisão recomendou que as pessoas do bairro deixassem suas casas, mas seu Antônio, muito religioso, confiou na sua fé e resolveu ficar em casa com a família. No dia seguinte, a enchente chegou até a rua da casa deles e dona Maria disse que achava melhor obedecer o noticiário e deixar a casa. O marido respondeu:
    — Deixe disso, mulher, confie em Deus, que nada vai nos acontecer.
    Mas como a chuva não parava e as águas continuavam a subir, dona Maria, temendo pelas crianças, resolveu deixar a casa em um barco do Corpo de Bombeiros. Seu Antônio, decidido, preferiu ficar, tomando conta da casa e esperando a água baixar. A água já alcançava mais de um metro de altura dentro da casa de seu Antônio e ele, confiante em Deus, resolveu subir ao andar de cima. Alguns vizinhos foram tentar convencê-lo a acompanhá-los, mas não tiveram êxito. Seu Antônio dizia sempre:
    — Não se preocupem: tenho fé em Deus, nada vai me acontecer.
    E seu Antônio ficou no andar superior da casa, mas naquele mesmo dia, precisou se mudar para o telhado. Em volta da sua casa, ele via toda a cidade inundada: uma imensidão de água barrenta e apenas alguns telhados. Quase ao cair da noite, surgiu um helicóptero de salvamento. O grupo de resgate mal pôde acreditar que ainda pudesse encontrar algum sobrevivente, muito menos que este se recusasse a ser salvo. Mas foi o que aconteceu. Seu Antônio dizia apenas:
    — Não se preocupem; sempre tive muita fé em Deus e Ele vai me salvar.
    A chuva não parou e, como era de se esperar, dada a sua enorme fé, seu Antônio foi para o Céu... Ao chegar lá, indignado, tratou logo de agendar uma entrevista com o Senhor:
    — Senhor, meu Deus! Por que me abandonastes, logo a mim, que sempre fui crente e temente a Vós, que sempre preguei a Vossa palavra? Por que não me salvastes?!
    — Antônio, meu filho! Como Eu poderia ter-te abandonado? Pois Eu fiz tudo para salvar-te e tu o recusaste! Mandei avisar pela televisão, depois coloquei sábias palavras na boca de tua esposa; enviei os bombeiros, os teus vizinhos e até um helicóptero! O que mais esperavas?!

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29 maio 2008

Sustentabilidade no Brasil

Esta semana está acontecendo em Campinas um conjunto de eventos sobre Desenvolvimento Sustentável (www.sustentar.org). Dentre as palestras disponíveis no Fórum nesta quinta-feira, escolhi uma com o tema "Consumo Consciente e Compras Públicas Sustentáveis". Deixo aqui alguns comentários esparsos sobre assuntos que achei interessantes.

obsolescência programada
Primeira vez que ouvi o "nome do bicho". Estratégia adotada pelas empresas a partir da década de 1930, mas sobretudo depois da II Guerra, que consiste em diminuir a durabilidade dos produtos, quando perceberam que bens duráveis não eram lucrativos para a indústria. Mais recentemente, esse conceito tem sido levado ao extremo, com alguns bens de consumo, sobretudo eletrônicos, tendo vida útil de pouco mais de um ano.

embalagens
O ciclo de vida de um produto envolve:
extração > fabricação > distribuição > consumo > descarte
Todas as etapas geram seus impactos ambientais. Aqui vão algumas dicas específicas para minimizar os impactos relacionados às embalagens na etapa do descarte:
- evitar embalagens desnecessárias
- preferir produtos com embalagens retornáveis ou com refil
- utilizar sacolas duráveis no lugar dos saquinhos plásticos
- reutilizar embalagens
- encaminhar as embalagens sem utilidade para reciclagem

links
akatu.org.br - Instituto Akatu - consumo consciente
idec.org.br - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
iclei.org - Governos Locais pela Sustentabilidade
procuraplus.org - incentivo a compras públicas sustentáveis na Europa
mma.gov.br - Programa A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública)
catalogosustentavel.com.br - avalia produtos por critérios de sustentabilidade (FGV/SP)

outros
Agenda 21
consumo consciente / consumo sustentável
Economia Solidária / Comércio Justo

05 maio 2008

Marcha da maconha

Domingo passado foi o dia da "Marcha da maconha". Ou melhor, não foi. Paulatinamente, as justiças estaduais foram proibindo a marcha nas diversas capitais do país. A de São Paulo, prevista para ocorrer no Parque do Ibirapuera às 14h do domingo, foi proibida no sábado à noite.

Para mim parece óbvio que a discussão sobre a descriminalização das drogas no Brasil precisa ser feita o quanto antes. Mas assim como parece óbvio para mim, parece óbvio que não para muita gente. Óbvio ou não, o fato é que no domingo passado ocorreu um estupro da liberdade de expressão no país.

Diferentemente de outros lugares do mundo, onde a questão foi exposta por meio de manifestações, no Brasil ela foi abafada por decisões judiciais e presença ostensiva da polícia, sob alegações de apologia ao crime, dentre outras mais absurdas, como um suposto lobby do PCC e outras facções criminosas, que estariam por trás dos manifestos.

A questão fundamental é não confundir permissão com incentivo. Na situação atual, o consumo e a venda de drogas lícitas são não apenas permitidos como incentivados. Deveriam ser veementemente desestimulados. A permissão ao álcool e ao cigarro não acontece porque essas substâncias sejam saudáveis ou não causem problemas sociais. Muito pelo contrário; elas só são permitidas porque sua proibição causaria um transtorno social ainda maior. Relembre-se o período da Lei Seca nos EUA, com Al Capone e toda a máfia assumindo o comércio ilegal do álcool.

Já a questão das drogas atualmente ilícitas deveria seguir o mesmo caminho: continuar com campanhas de desestímulo ao uso, porém controlando-se a qualidade da droga, arrecadando-se impostos a serem investidos no aconselhamento e tratamento dos usuários, etc. Na situação atual, em que o consumo existe e o comércio é proibido, legitima-se hipocritamente o tráfico. Pergunta: a quem interessa esta situação? Quem ganha com o tráfico hoje e com toda a estrutura montada para o seu combate? Cada um encontre a sua própria resposta. Eu sei quem perde com ela: toda a sociedade, com a indecente taxa de criminalidade que assola o país.

Sobre a marcha que não aconteceu, recomendo estes links:

Um tapa na democracia
Paz sem voz no Estado de exceção
Advogado detido por apologia às drogas diz que vai recorrer até o STF

Aumento dos combustíveis

Na semana passada foi anunciada uma das medidas mais esdrúxulas de que se teve notícia ultimamente. Após três anos de altas constantes dos preços do petróleo no mercado internacional, que fizeram disparar o preço da commodity de cerca de US$30 para cerca de US$110 o barril (ou seja, uma alta de 267%), o governo decidiu permitir que a Petrobras repassasse parte desse aumento ao consumidor. Até aí, nada de se estranhar, a não ser pela "generosidade" do aumento, de apenas pouco mais de 10%. O que causou espanto foi a preocupação do governo em evitar que esse aumento chegasse ao bolso de quem usa carro particular. Tudo vai aumentar: gás, óleo diesel e todos os derivados do petróleo. Com isso, aumentam também as tarifas dos transportes públicos e dos fretes, elevando, por exemplo, o preço dos alimentos. Graças à redução da Cide, imposto recolhido pelo governo, a única coisa que não vai aumentar é o preço da gasolina de quem anda de carro. Como os formadores de opinião praticamente só usam carro, o assunto passou batido e pouca discussão se vê na mídia. As conseqüências dessa medida, porém, serão o agravamento ainda maior das disparidades sociais, transferindo-se renda de quem está mais preocupado com o preço da comida ou do ônibus para os proprietários de automóvel particular.
Talvez não seja de se estranhar o contra-senso, considerando-se que o país já dá todo tipo de incentivo à produção, à compra e à utilização de automóveis particulares. O que chama a atenção é o discurso paradoxal de querer, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida nas cidades ou a distribuição de renda. Ou será que desistimos disso e eu não fiquei sabendo?!

19 março 2008

Vegetarianismo

Este relato foi motivado por três fatos recentes. Na semana passada, assisti com a Marina a um documentário sobre a produção industrial de carnes e derivados animais. Logo depois, surgiu a questão da escolha do restaurante para um almoço com os ex-colegas da Elétrica. E a "gota d'água" foi um relato da Lou no blog dela.

Acho que a primeira vez que ouvi falar de vegetarianismo foi na minha família, de uns tios que eram macrobióticos. A preocupação era a saúde do próprio corpo. Antes disso, como talvez seja natural de qualquer criança, eu gostava bastante de "bichos" e sofria quando via algum sendo maltratado. E isso aconteceu várias vezes: quando a minha cachorrinha Lúpi "sumiu"; quando os meus pintinhos virados frangos se transformaram no almoço de domingo na casa da minha vó; quando o meu vô deixava as galinhas penduradas de cabeça para baixo com um talho no pescoço, ainda vivas, para conseguir mais sangue para o "molho pardo"; quando os meus tios levaram meia hora matando um porco a marretadas. Mas a gente vai aprendendo a se endurecer com o passar dos anos e a aceitar essa crueldade como "normal".

Lá por volta do ano 2000, veio o motivo mais surpreendente (naquela época eu teria pensado talvez até esdrúxulo) por que alguém decidiria se tornar vegetariano: questões ambientais. Foi a Emily, minha ex-aluna de português e amiga, formada em Ecologia. Não me lembro bem das palavras dela, mas a idéia era mais ou menos a seguinte: se você usar uma determinada área de terra para cultivar as mais variadas espécies de plantas para consumo humano, você tem um gasto x de nutrientes e água e consegue alimentar y pessoas; se usar a mesma área para criar gado, a alimentação e hidratação do gado consumirão [várias vezes x] durante todo o ciclo de vida desses animais, que alimentarão [uma pequena fração de y] pessoas. Como o número de pessoas a serem alimentadas não muda, é necessário usar mais terra e mais recursos naturais. É uma questão de desperdício de energia - quanto mais etapas colocamos no ciclo, mais energia se perde no caminho. Fazia sentido.

Digamos que esse foi o primeiro "baque". Outros vieram, embora os mais fortes tenham sido com dois documentários que eu assisti nos últimos anos. O mais recente se chama "A carne é fraca" e foi produzido pelo instituto Nina Rosa. Não trouxe grandes novidades em relação a outro que eu tinha visto em 2006, "Earthlings" (Terráqueos), mas é interessante por tratar diretamente da realidade brasileira. Ambos abordam as três questões principais que envolvem o consumo de derivados animais: problemas ambientais, sofrimento animal e malefícios à saúde humana. Não pretendo detalhar esses pontos aqui, pois os documentários fazem isso muito bem e podem ser assistidos gratuitamente pela Internet (links abaixo).

Pois bem, recentemente estávamos organizando um almoço para o Daniel Dominiquini, que está de passagem por Campinas, e surgiu a questão de qual restaurante escolher. Pensei em sugerir que não fosse uma churrascaria, mas fiquei com medo de ser "chato". Conversa vai, conversa vem, e o próprio Daniel acabou escrevendo para a lista que era vegetariano. Putz!

Ontem eu dei uma lida no blog da Lou e não é que ela tinha acabado de escrever sobre o tema?! Ela começa dizendo: "A maioria dos vegetarianos não come carne vermelha porque é de difícil digestão. O argumento a favor do vegetarianismo é a própria saúde". Não sei de onde ela tirou essa estatística, mas fiquei curioso para saber se o principal motivo é esse mesmo. Depois ela menciona a questão do sofrimento animal, sugerindo que isso pode ser uma antropomorfização indevida e insinuando indiretamente que os vegetarianos deixaram de ser "especistas", mas continuam sendo "reinistas" (acreditam na superioridade do reino animal em relação ao reino vegetal). Não tenho capacidade técnica para dizer se alfaces, tomates ou espinafres sofrem ou não ao serem colhidos, como ela mencionou, mas tenho que reconhecer que no meu âmago ainda paira a sensação de que os reinos vegetal e mineral trazem diferenças significativas em relação ao reino animal. As plantas são vivas, precisam de cuidado, alimentação, ambiente saudável, isso é certo. Mas daí a dizer que elas sentem dor, eu já não saberia dizer. Depois ela menciona também a questão ambiental, embora sem fazer uma distinção nítida entre sofrimento animal e meio ambiente. Além disso, os vegetarianos não se importariam de "devastar grandes áreas para o plantio de soja transgênica, [...] gastar um sem-fim em irrigação, desviando o curso de rios e abalando o equilíbrio de qualquer eco-sistema localizado nas redondezas de grandes lavouras". Mas a idéia é exatamente a inversa! Não consumir carne reduz a necessidade de grandes plantações, pois a principal finalidade destas é produzir ração para os animais que abastecerão o mercado de carne. Eu teria outras coisas a comentar sobre veganos x vegetarianos e a conclusão final dela sobre alimentação balanceada, mas fica pra outra vez.

Agora pra confundir os meus amigos leitores, preciso dizer que não sou totalmente vegetariano, apesar de ter reduzido drasticamente o meu consumo. Como assim, depois de escrever tudo isso, ainda tem coragem?!... Pois é. Como em tudo na vida, me parece que o ideal é encontrar o equilíbrio. Entre ser 100% vegano e freqüentar churrascarias diariamente (ou semanalmente), há várias possibilidades intermediárias. Entre não comer carne nunca e achar que, se não tiver carne, a refeição não está completa, também há uma grande diferença. Não sei qual é o equilíbrio e acho que cada um deve tentar encontrar o seu. O importante é ter consciência do que se está fazendo, das conseqüências dos nossos atos: quando compramos ou descartamos algum produto, quando pegamos saquinhos de plástico no supermercado, quando comemos carne, quando tiramos o carro da garagem.

Sugiro fortemente que quem estiver lendo isto aqui assista a algum dos documentários abaixo, pois não expliquei nenhum dos argumentos em detalhe. Mas cuidado: depois de assistir, você não vai poder mais dizer que não sabia...

Links relacionados:
Parte 1 do documentário "A carne é fraca" no YouTube
Parte 1 do documentário "Earthlings" (Terráqueos) no YouTube (em inglês, com legendas em português*)

* Há alguns problemas graves de legendagem. Na abertura, por exemplo, onde está escrito "Recomenda-se discrição do espectador", leia-se "Recomenda-se discernimento do espectador".

Notícia relacionada:
Comida vegetariana reduz aquecimento global, afirma Paul McCartney [23/06/2008]

14 julho 2007

A caminho de casa

Noite fria
a caminho de casa.
Um casal que, simples, passa.

Aquele perfume,
se no elevador do meu prédio,
reles apenas.
Ali recendia a asseio
ternura
sobriedade.

27 maio 2007

Apolítico

Ultimamente tenho me decepcionado muito com a mentalidade brasileira. Para piorar, hoje fui rever na CPFL um filme que me marcou muito sobre a ditadura brasileira quando eu era adolescente, "Pra frente, Brasil". Saí de lá "passado", por vários motivos, dentre eles o fato de que o nosso país não evoluiu muito desde o início da década de 1970. Se a tortura política terminou, a tortura policial continua assolando delegacias e periferias país afora.

O filme mostra algumas pessoas que se sentiam seguras por serem "apolíticas", até que um membro da família foi preso por engano, torturado e "desaparecido". Agora há pouco acabei de assistir a um trecho de um programa na Globo News, em que o Roberto Romano (professor de ética do IFCH-Unicamp) apontou o "apoliticismo" como um dos principais problemas da sociedade brasileira. No final ele disse algo como: "Você, telespectador, assinante que está nos assistindo, se você acha que não tem nada a ver com isso que está acontecendo, está muito enganado. Exerça o seu papel de cidadão, porque enquanto algumas pessoas de bem não fazem nada, os políticos corruptos estão trabalhando em proveito próprio e os políticos honestos ficam isolados."

11 dezembro 2006

As bacantes (1)

São Paulo, 29/9/2001

Sábado à noite, eu decidindo o que fazer. A primeira opção era ir à festa de aniversário da Meg, namorada do Cássio, num barzinho da Vila Olímpia. Como eu tinha planejado fazer alguma coisa com a Marcela e ela não gostou dessa opção, por não conhecer o pessoal, por não gostar do ambiente (e por ser "chata" mesmo...), resolvemos dar uma olhada na programação de teatro.
A primeira peça que surgiu foi "As bacantes", do José Celso Martinez Correa. Eu conhecia o diretor por ser polêmico, e já tinha ouvido falar da peça. Pelo que entendi, era uma remontagem; ela voltava a entrar em cartaz depois de seis anos do sucesso da temporada anterior. Consegui convencer a minha amiga a ver essa peça mesmo, e não qualquer outra que estivesse passando.
Ligamos e ainda tinha ingresso. Procurei a rua Jaceguai no mapa e me dei conta de onde era o teatro; eu tinha ido assistir a uma peça ali com a minha mãe havia pouco tempo. Quando chegamos, descobri que, na verdade, eu já tinha ido era ao Teatro Imprensa, quase ao lado, e não ao Teatro Oficina, onde estávamos indo agora. Compramos os ingressos por volta das 20 horas e, como ainda faltava quase uma hora para começar o espetáculo, resolvemos dar uma volta, apesar da fila que já começava a se formar.
Subimos até o Teatro Imprensa, a Marcela percebeu uma diferença no tipo de público com relação ao Oficina, fomos tomar um chope num bar. Às oito e meia eu já estava impaciente para ir para a fila e ajudei a matar o chope dela. A fila já estava imensa, como eu tinha previsto, e a Marcela começou a reclamar que achava um absurdo ter que pagar pelo ingresso e não ter lugar marcado; ela preferia assistir a uma peça de graça na USP.
Eu queria ler o prospecto da peça, que parecia muito interessante. Na capa, um cara vestido com uma roupa de couro, uns chifres, uma capa, à Batman, com uma abertura redonda na região da virilha que mostrava o pau e o saco. Nas páginas de dentro, mais gente pelada: mulheres, homens, em cenas bastante explícitas. Comecei a me lembrar de que peça se tratava. Enquanto isso, uma garota contava alguma coisa a um casal de amigos, falando alto. A Marcela me disse: "Nossa, parece que ontem terminou às duas da manhã". Mas como tínhamos a informação de que aquela era a noite de estréia, deveriam estar falando de outra coisa. Eu estava lendo o texto do prospecto, uma coisa muito doida. Pelo que consegui depreender da linguagem cifrada e panfletária, a peça e o diretor eram eminentemente paulistanos, o Teatro Oficina era um projeto vanguardista da Lina Bo Bardi e estava ameaçado de demolição ou de deglutição para a construção de um shopping ou expansão dos prédios do grupo Sílvio Santos, respectivamente, com a complacência da Secretaria de Cultura, só não consegui descobrir se estadual ou municipal, mas provavelmente ambas.
Aos poucos fui me dando conta da encrenca em que estava me metendo... A duração da peça era de 225 minutos, o que nas minhas contas dava quase quatro horas de espetáculo, com dois intervalos.

19 novembro 2006

Zé Fini

Há algumas décadas, a influência cultural francesa foi substituída pela estadunidense, aqui em terras brasileiras. A tal ponto que, hoje em dia, muitas palavras francesas presentes em marcas, nomes de lojas, pratos, etc, são pronunciadas como se fossem inglesas. E parece ser pequeno o interesse do brasileiro médio por outras línguas estrangeiras além do inglês.
Aqui não cabe juízo de valor com relação à superioridade de uma cultura em relação a outra. É certo que na época da influência francesa, a humanidade se preocupava mais com filosofia, literatura, ciências humanas em geral, enquanto hoje se preocupa mais com as artes visuais, sonoras e as maravilhas da técnica. Mas isso parece se dever mais a uma mudança cultural generalizada do que à metrópole cultural que passou a exercer influência sobre nós. Agora como dantes, com exceção de algumas áreas artísticas, notadamente a música e um certo tipo de literatura, continuamos na periferia da produção cultural mundial, mantendo uma mentalidade de colonizados e imitativa de outros pólos culturais, localizados sobretudo no hemisfério norte ocidental.
Hoje à tarde eu estava tomando um café no Regina e ouvi de novo alguém usar a expressão que deu título a este artigo. Tenho a impressão de que ela se popularizou a partir do quadro "Escolinha do Professor Raimundo", do Chico Anysio, há alguns anos. Muito embora não soubessem o que significava, seus espectadores achavam-na engraçada e passaram a repeti-la, com uma pequena corruptela sonora que transformou o [s] inicial em [z]. Da mesma maneira que se repetia o "somebody love" [sãm·bóri·lóv(i)] do personagem Rolando Lero.
A propósito: a expressão original era "C'est fini". Escreve-se dessa maneira, pronuncia-se [sέ finí] e significa "acabou".

Os mistérios universais

Um sujeito tem dois gatos em casa. Como os gatos preferem beber água fresca, ele teve a idéia de instalar uma fontezinha que jorra água quando ligada na tomada e apenas dá a impressão de que a água está sendo renovada. Quando desligada, a fonte apresenta um reservatório de água que também pode ser bebida pelos gatos.
O sujeito liga a fonte algumas vezes por dia, quando lhe dá na telha. Às vezes, os gatos bebem a água mesmo com a fonte desligada, mas, na maioria das vezes, ficam esperando a água começar a jorrar. Eles sabem que o dono tem algum papel no funcionamento da fonte, tanto que às vezes pedem para que ele faça a água cair, seja miando, seja subindo na borda da fonte e esperando. É possível perceber a curiosidade despertada nesses felinos pelo misterioso funcionamento de sua fonte de água.
Fico imaginando a dificuldade que seria para os gatos entenderem que uma pequena bomba de água, movida a eletricidade, suga a água que está embaixo, faz com que ela suba através de um tubinho e, depois, com que ela saia por dentro do pote que é sustentado pelos braços de um anjinho neoclássico e caia em cima de um pedestal móvel que não tem outra função senão evitar que a água respingue para fora da bacia.
Tudo isso é aparentemente simples para nós, mas não para os gatos. Às vezes nos comparo, os humanos, a esses gatos, quando pensamos nos mistérios do universo. Imaginem a nossa decepção se descobríssemos que o seu funcionamento, além de muito complexo para a nossa compreensão, apenas tivesse a função de nos manter vivos e fosse totalmente desprovido de um sentido maior. Talvez seja melhor mantermos nossas crenças e superstições, nelas incluídas a ciência e a religião.

07 agosto 2006

Desencanto

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

Essa frase, proferida no início do século XX por Rui Barbosa, traduz meu sentimento atual com relação ao mundo.

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Desde que escrevi o desabafo acima, já encontrei essa frase do Rui Barbosa reproduzida tantas vezes, em diferentes veículos e pelos mais variados tipos de pessoas, que fiquei triste com a sua banalização.
De tanto repetir-se em vão, uma frase acaba perdendo a sua força, quando não assumindo um papel contrário.

Tradução

Esta é a minha principal atividade, que me proporciona os recursos financeiros para todas as outras. O link abaixo é o meu currículo profissional:

Carlos Teixeira - Brazilian Translator